quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Dentistas propõem tratar cárie deixando-a intacta
FLÁVIA MANTOVANI
Editora-assistente do Equilíbrio da Folha de S.Paulo
Um grupo de dentistas brasileiros propõe uma forma diferente de tratar pacientes com cárie. Baseados em pesquisas nacionais e mundiais, eles afirmam que não é necessário retirar completamente o tecido cariado do dente, como é feito tradicionalmente, e que, em alguns casos, a cárie pode até ser deixada intacta, apenas coberta por uma vedação.
São pesquisadores que fazem parte de uma corrente chamada odontologia minimamente invasiva, que propõe, entre outras questões, a retirada da menor parte possível de tecido dentário --é esse, aliás, o argumento para a mudança na forma de tratamento das cáries.
"O método convencional traz um desgaste desnecessário da estrutura dentária, que não pode mais ser reparada. A nova vertente traz evidências de que podemos remover menos tecido", diz o dentista José Imparato, que coordena um grupo de pesquisa em técnicas de mínima intervenção na USP (Universidade de São Paulo). Ele apresentará uma das técnicas no 28º Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo, que ocorre no fim de janeiro.
Segundo Marisa Maltz, professora titular de odontologia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o problema de remover muito tecido é que o dente fica menos resistente. "No caso de lesões pequenas, a remoção deixa o dente mais frágil, mais sujeito a fratura. No caso de uma cárie mais profunda, pode levar à exposição da polpa [tecido mais interno do dente], o que requer um tratamento de canal, mais complicado", afirma.
De acordo com os dentistas entrevistados, muitas vezes é necessário fazer outras intervenções no mesmo dente, e aí o desgaste só piora.
A proposta é, no caso de lesões mais profundas, retirar apenas a parte mais externa da cárie, mais infectada, deixando a parte interna e fazendo a restauração logo depois. O grupo da USP propõe ainda, em lesões mais superficiais, não retirar nada da cárie e envolvê-la com um selante --fluido que normalmente é usado apenas para prevenir o problema.
A ideia é que a restauração ou o selante vedem a cárie e impeçam sua progressão, criando uma barreira para a chegada de nutrientes às bactérias.
Segundo Imparato, diversos estudos atestam a vantagem da técnica --entre eles, uma revisão de 529 pesquisas publicada em 2006 que mostrou que a remoção parcial da cárie não prejudica o dente e tem resultado semelhante ao da remoção total, com a vantagem de preservar mais tecido. Além dos grupos de Imparato e de Maltz, há grupos de pesquisa nessa área em universidades de Belo Horizonte e Ponta Grossa.
O novo tratamento não é consenso e enfrenta resistência por parte de alguns profissionais da área. "Os dentistas se incomodam muito em deixar cárie. Eles aprenderam a agir da forma convencional. Eu, durante muito tempo, ensinei isso também, mas a ciência mostra novos caminhos. Estamos iniciando uma mudança de conceitos", diz Imparato.
Segundo ele, os próprios pacientes se assustam com a prática e muitas vezes acham que o dentista que a aplica é um mau profissional.
Para Norberto Francisco Lubiana, presidente da ABO (Associação Brasileira de Odontologia), a retirada do tecido cariado não é um problema. "Depende do tamanho da cárie e do tipo de material restaurador, mas, se a lesão for substituída de uma forma boa, não leva a nenhum risco", afirma.
Ele diz que o tratamento preconizado pela odontologia minimamente invasiva é uma tendência e é válido, mas afirma que ele ainda não é ensinado nas universidades. "Na graduação, o comum é recomendar a remoção de todo o tecido."
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